A Filosofia Brutal de "The Laws of Scourge" do Sarcófago
O álbum "The Laws of Scourge", lançado pelo Sarcófago em 1991, marca uma fase de transição e amadurecimento da banda. Saindo do caos cru do black/death metal inicial, este trabalho incorpora elementos mais técnicos e até alguns toques de thrash, sem, no entanto, abandonar a sua essência sombria e confrontadora. Filosoficamente, as faixas refletem uma visão de mundo niilista, anticlerical, e profundamente cética em relação às normas sociais e religiosas. O Sarcófago, aqui, não apenas toca música, mas provoca, questiona e desafia.
Vamos analisar as faixas e seus temas sob essa ótica:
1. "The Laws of Scourge" (As Leis do Flagelo)
- Tema Central: A faixa-título já estabelece o tom. O "flagelo" (scourge) pode ser interpretado como um castigo, uma praga ou uma força destrutiva. As "leis" desse flagelo sugerem uma ordem inerente ao caos, uma inevitabilidade da dor e da punição, seja ela divina, existencial ou imposta por uma força superior.
- Análise Filosófica: Há um forte determinismo aqui. A humanidade está sujeita a leis que a afligem, e essas leis são inerentes à existência, não passíveis de contestação. Pode-se ver um reflexo do niilismo, onde a vida é vista sob a ótica de sofrimento e aniquilação, regida por princípios implacáveis. Há também uma insinuação de que o julgamento e a destruição são forças universais, talvez até desejáveis em um sentido purificador ou retributivo.
2. "Piercings" (Perfurações)
- Tema Central: Embora o título possa remeter a adornos corporais, no contexto do Sarcófago, "Piercings" é mais profundo. Pode-se interpretar como as marcas que a vida, as experiências ou mesmo as crenças (ou a falta delas) deixam no indivíduo. São feridas que se tornam parte da identidade, talvez até uma forma de martírio autoimposto ou existencial.
- Análise Filosófica: A canção explora a condição humana marcada pela dor e pela experiência. As "perfurações" são as cicatrizes da existência, as verdades que penetram fundo e as convicções que moldam o ser. A faixa pode ser uma metáfora para a desfiguração da alma pelas realidades brutais da vida, ou a aceitação da dor como parte do ser. Há uma celebração da individualidade e da resistência, mesmo que essa resistência se manifeste através da aceitação das marcas da existência.
3. "Midnight Queen" (Rainha da Meia-Noite)
- Tema Central: Esta canção introduz uma figura feminina enigmática e poderosa, associada à escuridão e à noite. Ela pode simbolizar a morte, a tentação, a sabedoria oculta, ou uma força feminina de poder sombrio e sedutor. É uma figura que opera nas sombras, longe da luz da moralidade diurna.
- Análise Filosófica: A "Midnight Queen" pode ser vista como uma manifestação da sombra junguiana ou de forças arquetípicas reprimidas pela sociedade. Ela representa o lado obscuro e sedutor da existência, a rejeição da luz divina e a aceitação da escuridão interior. Há um convite à entrega ao proibido, ao irracional, e ao poder que reside fora das convenções. É uma figura que desafia a moralidade e a pureza, abraçando a decadência e o mistério.
4. "Screeches from the Silence" (Gritos do Silêncio)
- Tema Central: Essa faixa sugere uma profunda angústia existencial que irrompe do vazio e da quietude. O "silêncio" pode ser o vazio do universo, a ausência de Deus, ou a opressão de uma sociedade sufocante. Os "gritos" são a manifestação do desespero, da revolta ou da dor que não podem ser contidos.
- Análise Filosófica: Aqui, o Sarcófago mergulha no existencialismo sombrio. O silêncio cósmico (a ausência de respostas divinas ou de sentido inerente) gera uma agonia que se manifesta em gritos de desespero. É a voz da anarquia interior, da revolta contra a futilidade da existência ou da reação à opressão externa. A canção ecoa a ideia de que, no vácuo da existência, o que resta é o grito primal da consciência em sofrimento.
5. "Prelude to a Suicide" (Prelúdio para um Suicídio)
- Tema Central: Como o título indica, a canção explora os pensamentos e o processo mental que antecedem o ato de tirar a própria vida. Não necessariamente uma apologia, mas uma investigação fria e sombria dos motivos e da resignação.
- Análise Filosófica: Esta é uma reflexão sobre a liberdade extrema e a condição de desespero. O suicídio, nesse contexto, pode ser visto não como um ato de covardia, mas como a última forma de controle sobre a própria existência em um mundo percebido como sem sentido ou insuportável. A banda explora a angústia da escolha derradeira, o esgotamento da vontade de viver, e a inevitabilidade de um fim autodeterminado, uma temática sombria, mas recorrente em filosofias niilistas e existencialistas radicais.
6. "The Black Vomit" (O Vômito Negro)
- Tema Central: Uma das faixas mais icônicas e brutalmente diretas do Sarcófago, "The Black Vomit" é uma ode à repulsa, à depravação e à libertação através do grotesco. O "vômito negro" é a expulsão de tudo que é puro, sagrado e moralmente aceitável, em um ato de profanação.
- Análise Filosófica: Esta canção é uma manifestação extrema do anti-religioso e do anticristão, uma característica marcante do black metal. É a profanação do sagrado, a rejeição veemente da moralidade e da pureza em favor da imundície e do caos. Filosóficamente, pode ser vista como uma catarse da aversão, um grito de guerra contra as imposições morais e um abraço à anarquia do corpo e do espírito, similar a conceitos de transgressão e libertação através do vil encontrados em pensadores como Bataille.
7. "Secrets of a Widow" (Segredos de uma Viúva)
- Tema Central: Esta faixa mais longa e complexa pode contar a história de uma mulher que guarda verdades sombrias após a perda, ou que talvez seja a personificação de um luto que revela verdades amargas sobre a vida e a morte. A "viúva" é uma figura que enfrentou a perda e, através dela, obteve um conhecimento amargo.
- Análise Filosófica: Aqui, o Sarcófago explora a sabedoria adquirida através do sofrimento e da perda. A "viúva" possui "segredos" porque ela presenciou a finitude, a fragilidade da vida e a inevitabilidade da morte de uma forma íntima. Essa faixa pode ser uma reflexão sobre a natureza da existência pós-perda, onde as ilusões são quebradas e uma verdade mais sombria e crua emerge. É um mergulho na melancolia existencial e na compreensão de que o luto pode ser uma fonte de conhecimento profundo, embora doloroso.
Conclusão Geral sobre "The Laws of Scourge"
"The Laws of Scourge" é um álbum que, em sua essência, abraça o niilismo, o existencialismo sombrio e o anticlericalismo. As letras são carregadas de imagens de dor, destruição, rebelião e uma aceitação crua da feiura e da verdade desconfortável da existência. O Sarcófago, com sua sonoridade então mais lapidada, entrega um manifesto que não busca conforto ou redenção, mas sim a confrontação com as leis implacáveis de um universo indiferente e de uma humanidade falha e autoflagelante. É uma obra para quem busca a música como reflexo de uma filosofia sem véus, que explora os recantos mais sombrios da alma e da realidade.
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