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Em Heretic, Hugh Grant entrega uma das atuações mais perturbadoras de sua carreira, abandonando o charme leve que o consagrou para encarnar Mr. Reed, um homem enigmático que acolhe duas jovens missionárias mórmons em sua casa isolada durante uma tempestade. O que começa como um encontro cordial se transforma em um intenso jogo psicológico, no qual diálogos afiados exploram teologia, controle e ideologias, enquanto o horror se infiltra de forma sutil, quase teatral. A direção de Scott Beck e Bryan Woods aposta mais no suspense cerebral do que em sustos explícitos, criando uma atmosfera claustrofóbica onde cada palavra dita carrega um peso simbólico. Grant manipula sua persona carismática para criar desconforto, tornando sua performance inquietante e imprevisível.
A construção visual do filme é repleta de simbolismo religioso e ocultista, mesclando referências ao catolicismo, mormonismo, mitologia egípcia e hinduísmo, sugerindo que todas as crenças são estruturas humanas moldadas para controlar. A própria casa de Mr. Reed funciona como uma metáfora arquitetônica da jornada espiritual, com portas que remetem a diferentes “níveis” de julgamento moral, lembrando os círculos do inferno de Dante. Nos momentos finais, um porão profanado revela símbolos satânicos e mulheres enclausuradas, numa representação visceral do aprisionamento espiritual. O clímax, marcado pela fuga de uma das protagonistas, é coroado por uma imagem poética: uma borboleta pousando em sua mão, remetendo ao sonho filosófico de Zhuangzi sobre a transformação entre homem e borboleta, ecoando temas de liberdade e identidade.
Filmado em ordem cronológica em Vancouver, com orçamento inferior a 10 milhões de dólares, Heretic foi inspirado por obras como Inherit the Wind e Contato, combinando reflexão existencial e tensão narrativa. A produção chamou atenção por declarar nos créditos que nenhuma IA generativa foi utilizada, reforçando seu caráter artesanal. Entre as curiosidades, destaca-se a presença da canção “Knockin’ on Heaven’s Door” em uma versão intimista interpretada por Sophie Thatcher, e o humor ácido de Grant durante o AFI Fest, quando relembrou com ironia um polêmico episódio de 1995. Com sua mistura de horror psicológico, simbolismo denso e final poético, o longa se consolida como uma experiência cinematográfica inquietante, que desafia o espectador a confrontar as próprias crenças.
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