quinta-feira, 10 de julho de 2025

REPROGRAMAÇÃO 10 07 2025

▃▃▃▃▃▃▃▃▃▃▃▃▃▃▃▃▃▃▃▃

Leitura de “Black Hole” ao som de Sabbath, ELP e TOOL

Hoje mergulhei no universo denso e inquietante de Black Hole, a graphic novel do ilustrador e cartunista americano Charles Burns (1955) publicada em 12 edições entre os anos de 1995 a 2005. Li a narrativa sombria, cheia de metáforas corporais e existenciais ouvindo uma trilha sonora que incluiu Black Sabbath, ELP (citada na HQ) e a banda de rock progressivo TOOL. Comecei com “Children of the Grave” do Black Sabbath — os riffs pesados pareciam ressoar com os silêncios opressores entre os quadros do livro, acentuando o medo e o isolamento dos personagens. A atmosfera de incerteza da história casou com o peso do doom metal de forma quase simbiótica.

Ao avançar pela leitura, as faixas de Emerson, Lake & Palmer — como “Jerusalem”, “Lucky Man” e “The Endless Enigma” — trouxeram uma camada mais lírica e progressiva à experiência. A música parecia comentar a alienação juvenil e as mutações grotescas do enredo com melodias carregadas de uma beleza melancólica. Em especial, “Still... You Turn Me On” criou uma tensão emocional que intensificou os momentos mais íntimos e perturbadores do livro, como se a delicadeza da melodia fosse tragada por algo maior e mais sombrio.

Finalizei com TOOL. “Pneuma” e “Fear Inoculum” foram o clímax sonoro do mergulho psicológico que é Black Hole. As letras introspectivas, o ritmo hipnótico e o tom espiritual das canções ecoavam a transformação interna e externa dos personagens. A música “Invincible” me acompanhou nas últimas páginas, como um mantra sobre persistência em meio ao caos. Foi uma experiência sensorial completa — a fusão entre imagem, som e pensamento. Hoje, entendi que certas leituras merecem uma trilha sonora. E que, às vezes, os álbuns falam mais do que os diálogos.

Obs: Ouvi também o álbum Harvest de Neil Young (1945) e o Diamond Dogs de David Bowie (1947-2016) citados na página 248 de Black Hole.






Black Hole, de Charles Burns, é uma graphic novel publicada originalmente entre 1995 e 2005, que mistura terror corporal (body horror), adolescência suburbana, sexualidade, alteridade e alucinação psíquica. A história se passa em Seattle nos anos 1970 e acompanha um grupo de adolescentes que é acometido por uma estranha doença sexualmente transmissível, apelidada de “a doença”, que provoca mutações físicas grotescas e irreversíveis em seus portadores.

Por trás dessa narrativa aparentemente sobre juventude e contágio, a obra mergulha em temas densos como a transformação do corpo como metáfora do trauma, a exclusão social, a culpa, a alienação existencial e simbolismos com ressonância esotérica, onírica e ocultista.


🧍‍♂️ Análise dos Personagens Principais

1. Keith

Keith é um dos protagonistas e representa o arquétipo do adolescente introspectivo, passivo, confuso com a sexualidade e com um profundo senso de deslocamento. Ele não sofre mutações físicas visíveis, o que o torna um "observador" do abismo. Sua obsessão por Chris e seu envolvimento com o submundo dos infectados simboliza o mergulho inconsciente nas sombras da psique (no estilo jungiano, poderíamos dizer que ele caminha para confrontar sua sombra interior).

2. Chris

Chris é uma das figuras mais trágicas da narrativa. Após contrair a doença, ela desenvolve uma fenda nas costas que lembra uma "boca" ou "vagina simbólica", remetendo ao imaginário do terror corporal de Cronenberg. Sua transformação é física e psíquica: ela passa por um processo de exílio, introspecção e alienação que a leva a um estado quase místico, como se tivesse cruzado um limiar para o mundo dos mortos-vivos. Chris pode ser vista como uma espécie de símbolo da Deusa Negra, aquela que sofre, morre simbolicamente e ressurge com conhecimento oculto — uma figura iniciática.

3. Rob

Rob sofre uma mutação visível (sua boca foi transladada para o pescoço), e vive nos arredores da cidade, num exílio natural, como se fosse um eremita ou iniciado que abandonou a sociedade. Seu afastamento e sua relação com outros “monstros” criam uma comunidade alternativa, uma espécie de sociedade secreta ou marginal. Seu papel lembra o do guardião dos portais do inconsciente, ou mesmo o de um sacerdote degenerado.

4. Eliza

Personagem com menor destaque narrativo, mas com forte impacto simbólico, Eliza aparece em sequências oníricas ou em atmosferas de delírio psicodélico, lembrando uma musa lunar ou projeção da anima. Ela tem um magnetismo simbólico, agindo como catalisadora de desejos e inquietações.


🕯️ Elementos Esotéricos e Ocultistas

Apesar de Black Hole não abordar diretamente ocultismo ou esoterismo no sentido doutrinário (como nomes, rituais ou ordens), seu subtexto visual e simbólico é profundamente ocultista, especialmente se lido através da lente do hermetismo, alquimia simbólica, ou psicologia analítica.

1. O Buraco Negro (Black Hole)

O título funciona como um símbolo multifacetado. O black hole pode representar:

  • O inconsciente coletivo (no sentido junguiano),

  • O vazio existencial da juventude,

  • A entrada para o outro mundo — uma dimensão invisível, espiritual, onde os infectados vivem em um estado liminar (nem vivos, nem mortos, nem humanos, nem monstros),

  • O útero cósmico — símbolo arquetípico da transformação, do retorno ao estado primal para recomeçar uma nova forma.

2. A Doença como Iniciação

A infecção funciona como uma iniciação ritualística. Quem é infectado atravessa um limiar físico e psicológico, sendo expulso da “realidade consensual”. Isso remete a práticas ocultistas antigas, onde o iniciado precisava "morrer para o mundo" antes de renascer com um novo entendimento.

Essa mutação é também a marca da “maldição” ou “chamado” espiritual — como estigmas, ela retira o sujeito do plano ordinário e o coloca num mundo à parte.

3. Metamorfose como Alquimia

A mutação do corpo é a fase putrefactio da alquimia espiritual, onde a matéria (ou alma) precisa se decompor para poder renascer. O grotesco e o disforme são os símbolos da decomposição do ego, da moral e da forma humana tradicional. Há uma transmutação em curso — ainda que inconclusa.

4. O Bosque

O bosque que abriga os infectados é um espaço liminar, similar ao axis mundi das tradições xamânicas. É onde ocorrem encontros com entidades (outros monstros, visões, alucinações), onde se escapa da vigilância social. É o reino do inconsciente arquetípico, da natureza bruta, onde o eu se dissolve.

5. Drogas e Estados Alterados

O uso de drogas, tão comum entre os personagens, é outro elo com tradições esotéricas e xamânicas — meios de expandir a percepção, provocar o contato com entidades internas ou transdimensionais, e atravessar o limiar do real. Em Black Hole, o delírio induzido funciona como abertura do “terceiro olho” — ou como uma descida aos infernos pessoais.

6. O corpo como grimório

Burns transforma os corpos dos jovens em livros vivos, repletos de símbolos, deformidades e traumas. Cada corpo é um espelho do inconsciente coletivo daquela geração. Esse corpo-monstro é também um corpo mágico — como nas tradições ocultistas em que o corpo era visto como o templo (ou prisão) da alma.


📚 Conclusão

Black Hole é uma obra densa, perturbadora e esteticamente hipnótica. Charles Burns usa o horror gráfico e o preto-e-branco sombrio para construir uma alegoria sobre a adolescência como experiência mística e infernal, onde a sexualidade, a dor e a mutação são iniciadores de uma nova consciência — mesmo que essa consciência seja trágica e marginal.

A graphic novel se aproxima da estética e temática do gnosticismo moderno, em que o mundo é uma prisão material e os monstros são os únicos que conseguem enxergar a verdade por trás do véu da realidade.

Assim, mais do que uma história de horror corporal, Black Hole é uma narrativa de iniciação esotérica oculta, camuflada sob camadas de trauma, erotismo, pavor e silêncios.

-------------------------------------

Nenhum comentário:

Postar um comentário